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Novas velhas formas de consumo - Reportagem

Novas velhas formas de consumo
A busca pela ressignificação da venda e da compra de peças de vestuário
leva marcas a optarem por confecções locais e modelos naturais de produção
Reportagem publicada na revista Esp da disciplina de Produção
 em Revista do curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS.
Venda de peças da marca Aurora em feira de rua.
Depois da morte da avó, Érica Arrué Dias percebeu que o costume de fazer tricô havia se perdido em sua família. Assim, surgiu a ideia de criar a Aurora Moda Gentil. A iniciativa de estabelecer uma marca com produtos feitos a mão por um grupo pequeno de costureiras possibilitou que Érica recuperasse um hábito há tempos esquecido. “A Aurora nasceu para resgatar uma herança feminina da minha família, porque a minha avó fazia tricô, e, quando ela faleceu, eu percebi que poucos mantinham essa prática”, conta.

A motivação por redefinir significados de consumo foi o ponto de partida de Anne Anicet e Evelise Anicet Rüthschilling, mãe e filha professoras de Design e pesquisadores de moda, para estabelecer a própria marca, a Contextura. Para elas, a sociedade perdeu o hábito de reparar roupas que estragam. Tornou-se muito mais fácil comprar uma nova peça. Além disso, as questões socioambientais na moda sempre foram motivo de atenção em suas trajetórias profissionais. “A minha preocupação com a sustentabilidade iniciou-se quando eu ainda era estagiária de uma malharia. Observava e ficava impressionada com a quantidade de malhas e fios de alta qualidade que eram desperdiçados”, relata Anne.

A Aurora e a Contextura possuem, em comum, a preocupação com a sustentabilidade na confecção de suas peças. No meio da moda, esse movimento vai além de cuidados com o ambiente. Respeitar e remunerar bem os envolvidos ao longo da cadeia, utilizar matérias-primas e processos mais conscientes e oferecer preços justos aos consumidores finais são alguns dos principais valores que guiam marcas desse perfil.
Feira de Desapegos na Rua Miguel Tostes em Porto Alegre/RS/Brasil.
Para fazer jus ao principal pilar de sua empresa, Érica acompanha todos os processos de produção das peças. Tendo como matéria-prima básica a lã, a tecnóloga formada pelo Senac buscou fornecedores e produtores aos quais possuía acesso em sua cidade natal, Dom Pedrito. Lá, a criação das ovelhas, o corte da lã, o tratamento desse material, como a lavagem e a carda, a fiação e o tingimento natural, utilizando extratos vegetais como canela e bagaço de uva, são feitos sob supervisão dela. “É importante não só para a marca estar envolvida, mas, principalmente, para o produto final. O que a ovelha come, por exemplo, vai influenciar a cor, o toque, o cheiro dessa peça pronta”, ela salienta.

Fabricar peças com design atemporal e boa qualidade são questões essenciais para as criadoras da Contextura. Os consumidores, ao adquirir uma peça, podem utilizá-la durante muitos anos após a compra. Além de ser designer, Evelise coordena o Núcleo de Moda Sustentável da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela explica que o valor e o custo de uma peça possuem significados diferentes, apesar de estarem interligados. “O valor é dado à peça pela própria pessoa, o quanto aquele produto significa para ela e o quanto ela vai utilizá-lo. Já o custo envolve toda a cadeia de produção e os processos que fazem parte dela”, afirma.

No ateliê da marca, localizado na zona sul de Porto Alegre, além da modelagem, do corte e da expedição dos produtos, são feitas as estampas das peças. O processo de estamparia é feito pela técnica de sublimação têxtil. Primeiro, um design é impresso com tinta à base de água em papel transfer. Utilizando uma prensa especial, esse papel e um pedaço do tecido são expostos a altas pressão e temperatura, fazendo a tinta ser sublimada e transferida em forma gasosa para as fibras do poliéster, criando um tingimento permanente. O uso dessa técnica diminui a quantidade de água utilizada na produção das roupas, além de tornar possíveis a reciclagem e a reutilização da maior parte dos materiais não aproveitados diretamente nas roupas. Com as sobras de tecido, Anne cria peças artísticas para expor na loja.
As peças da marca Aurora trazem, na etiqueta, o nome da costureira que a produziu.
A forma de confecção das roupas da Aurora também se destaca do padrão da indústria têxtil. Esse processo é feito por um grupo de mulheres costureiras que produzem peça por peça. As colaboradores preparam o feltro, tricotam, teiam e  crochetam as roupas desenhadas por Érica, criando produtos singulares. “As pessoas que participam da produção precisam valorizar o seu papel. É essencial que elas vejam que as ações delas fazem diferença no produto final”, a designer explica. A escolha de priorizar a mão de obra feminina foi feita por Érica desde a criação da empresa, buscando dar autonomia a mulheres e, também, reinserir idosas que buscavam voltar ao mercado de trabalho.

O desafio de marcas como a Aurora e a Contextura é mostrar, para o mercado da moda, mas, principalmente, para os consumidores, que a escolha por um consumo com consciência socioambiental tem consequências positivas para os indivíduos e para a sociedade. O resgate de antigas formas de consumo, como reparar e reaproveitar roupas, vai de encontro a processos já normalizados pela indústria da moda, que consolidou-se como a segunda que mais polui o meio ambiente.
A Contextura busca utilizar matérias-primas diferenciadas e aposta no design atemporal.
Para Anne, as marcas fast fashion não deixarão de existir, apenas surgirão opções para quem deseja mudar os significados dados ao consumo. Érica clarifica: “A fast fashion nunca vai deixar de vender, porque todo mundo precisa se vestir, no dia a dia, o básico, a blusa branca que vende na grande rede. Mas se ela for de algodão, se ela for produzida no Brasil, já é alguma coisa. Que tu não olhe a etiqueta e veja “feita em Bangladesh”. Ou que seja feita em Bangladesh, mas com responsabilidade social.”

A compra de peças de vestuário de baixos custo e qualidade reforça o hábito de descarte após pouco tempo de uso. Mudar os significados dados ao ato de consumir é o objetivo de quem cria e vende moda sustentável. Elas buscam mostrar para as pessoas que pagar um preço mais alto por uma peça que traz consigo valores socioambientais valerá mais a pena, a longo prazo, do que obter, por exemplo, uma camiseta por cerca de R$ 20 em uma loja de departamento com condições de obscuras de produção. “Toda a preocupação com a cadeia, torna a peça um produto com valor agregado, mas não necessariamente menos acessível, até porque ela tem mais qualidade, vai durar mais, então a pessoa vai precisar investir para gastar menos no futuro”, explica Érica Arrué.
Novas velhas formas de consumo - Reportagem
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Novas velhas formas de consumo - Reportagem

A reportagem sobre moda sustentável foi realizada para a disciplina de Produção em Revista da Faculdade de Comunicação Social/PUCRS. Posteriormen Read More

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